domingo, 9 de junho de 2013

Sorria (ou sorry?), você está na Bahia



Os baianocêntricos de plantão podem me crucificar, eu sou pecador mesmo e não tenho medo de blasfemar contra uma aura de intocável que governantes, cidadãos e turistas pregam a favor de Salvador. Falar contra a cidade, é falar para esse mesmo grupo que parece estar numa bolha de deslumbramento de um passado monumentalizado e pelourínico, como se fosse a única e possível auto-imagem a ser preservada de Salvador.

Estou farto desta palhaçada midiática e institucional de que tudo que acontece diferente, mesmo o mais bizarro, é "coisa da Bahia". É certo que toda a cidade tem seu jeito, Caymmi já cantava isso em relação a sua Bahia, mas a sua poemúsica hoje pouco se materializa no cotidiano, porque, penso eu, não souberam ler nas entrelinhas da canção que a beleza desta terra está nas pessoas, e elas estão sendo maltratadas, que por sua vez maltratam o seu lugar, os visitantes, e a nós mesmos, porque não tem ninguém que reclame, já que se resolve com pão e circo. 

Além de tudo ser caro nessa cidade, vem a Fifa cobrar um absurdo por um cachorro-quente, R$ 8,00, o mesmo será o preço de um acarajé com camarão. O Fantástico flagrou o atendimento aos turistas nessa temporada de grandes eventos na cidade. Recepcionista de hotéis que só falam baianês com sotaque portunhol ou inglês macarrônico. Acho que as operadoras que vendem pacotes bonitinhos para o turista deveriam ser punidas por propaganda enganosa, com devolução do dinheiro. 

Quando vou buscar alguém no aeroporto, eu advirto logo, "Acorde, Alice, porque depois que passarmos pelo bambuzal, a Bahia das Maravilhas acaba". Aliás, não precisa nem sair, no aeroporto o turista já sente na pele o que nós próprios sentimos diariamente. Primeiro, se você chegar de madrugada e tiver viajado de Gol, passa fome, porque em um aeroporto que é classificado como "internacional", não tem um restaurante ou lanchonete aberto 24 horas; segundo, taxistas brigando em sua frente, às vezes aos tapas, empurrões e xingamentos, por uma corrida. Boas-vindas já com vontade de voltar para casa no próximo voo; terceiro, elevadores e escadas rolantes sempre em manutenção. Bem, eu vi e vivi isso tudo. 

Os serviços prestados à população, em geral, é de espantar, no mínimo, um turista dinamarquês. O que ele deve pensar do nosso sistema de transporte público? Gente, o que é aquela Estação da Lapa? A plataforma subterrânea é tão dantesca (mau cheiro, goteiras, escuridão, insegurança, sujeira), que nem os pedintes maltrapilhos ou os usuários zumbis de drogas se arriscam a transitar por ali. Aquilo é um submundo. Mas a Prefeitura insiste em alocar para lá as linhas de ônibus, sem falar nos próprios veículos, que são igualmente mal-cuidados. Em dia de calor, aquele monte de passageiros apertados, sem ar-condicionado, presos nos inúmeros engarrafamentos, é humilhante. Repito, hu-mi-lhan-te.

Todo dia um soteropolitano ciente de seus direitos denuncia um restaurante cuja alimentação vendida traz de brinde a degustação de um inseto asqueroso no prato. A (In)Vigilância Sanitária é um dos serviços mais falhos nessa cidade, onde qualquer cacete armado vende comida. Eu até como, mas cá para nós, não adianta ter fama da melhor feijoada, melhor acarajé, melhor mocotó, melhor sarapatel, melhor mingau, se esse regabofe todo não é fiscalizado. Dor de barriga não dá uma vez só não, e eu já tive várias. Quando o turista passa mal, abrem logo a boca dizendo que ele não está acostumado com o tempero baiano. Então, nós temos estômago de avestruz, pois não sentimos nada e achamos que o mal está na barriga dos outros?

O Senac, órgão que capacita mão-de-obra para o comércio e prestação de serviços, deveria ser denunciado pelo Ministério Público, porque a formação que ele oferece em seus cursos tem sido vergonhosa, pois os profissionais estão saindo despreparados para o atendimento. É claro, não são todos, mas todo mundo diz que fez curso no Senac e, em Salvador, o mal-atendimento é um outro aborrecimento que passamos. Não é raro o cliente nos restaurantes, por exemplo, ir até o balcão chamar alguém para atendê-lo, depois de o garçom jogar, literalmente isso, jogar o cardápio na mesa e sumir. E quando você não paga 10% pelo (mau) serviço faz cara feia. É tão bom quando em um restaurante, desde o segurança da porta até o ajudante de cozinha, sai tudo certinho. Ah, principalmente quando o cafezinho está quente e é cortesia da casa. Isso fideliza o cliente e ele indica até para o Papa Francisco. 

Aqui na minha rua, todo dia o gari varre. Às 6h30, ele já começa a limpar o quarteirão. Às 18h, tudo está sujo. E não falta onde depositar o lixo produzido neste período. Caixas e papeleiras são bem distribuídas, mesmo assim, moradores e passantes jogam no chão seus restos. De minha varanda, já presenciei (reclamei) diversos  homens, jovens e idosos, que sem cerimônia, ou pompa e circunstância, urinam como estivessem regando jardim. Fez bem Danilo Gentilli advertir o grupo mexicano Maná sobre o fedor de urina que tem Salvador. Fez mal o mesmo apresentador pedir desculpas pela verdade que não queremos ouvir. Preferimos continuar cheirando mijo fresco ou envelhecido, porque isso só se vê na Bahia. Lembro-me que anos atrás a Prefeitura teve que recuperar a base de um monumento ou viaduto porque de tanto urinarem as ferragens estavam oxidadas. Acreditem!

Para terminar esse post de lamentações, eu volto à Arena Fonte Nova. Estava eu saindo de casa para pedalar (ou melhor, me arriscar a pedalar nessa cidade de trânsito assassino), quando um grupo de três homens e uma mulher, identificados com crachá, me chamaram para perguntar se eu estava satisfeito com as obras de mobilidade que a Conder, órgão do Governo do Estado, estava realizando para as Copas na minha rua e adjacências. Eu, que até então não estava interessado na obra, passei a fiscalizar. Implacavelmente. 

Sugeri mudanças no projeto das calçadas, com a colocação de piquetes para evitar que carros estacionassem  sobre a calçada do Convento do Desterro, já ampliada e com pista tátil para deficientes visuais. Assim, acataram. Mas como nem tudo são flores. A mesma pista está incompleta em alguns trechos, inclusive causando acidente a um cego que transita na área, por ter perto uma escola estadual de atendimento especial a esse público. A rampa para cadeirantes está mais baixa do que a rua, o que impede de o deficiente físico sozinho passar de um lado a outro. O ponto de ônibus foi alterado com a abertura de uma baia exclusiva, mas os motoristas não param no lugar certo, nem tem abrigo contra chuva e sol. Reclamei, e foi designada uma equipe de cinco pessoas para averiguar a minha queixa: uma assistente social, uma assistente da assistente social, um técnico, um assistente do técnico e um fiscal de obras, que não foi acompanhado de seu assistente, pois faltou no dia.  

A desculpa para essas obras não concluídas foi a famigerada falta de verba. Prometeram até o ano que vem  terminar. É esse o legado que a Copa vai deixar para os moradores do bairro? Isso no plano mais localista possível, mas, e para Salvador? A Fifa vem, chupa todo o dinheiro dos baianos, obriga que se construa um novo estádio, que vira-mexe suas falhas aparecem, e depois dá bye bye dizendo que ajudou o nosso turismo. Mas como o futebol é ainda o ópio do povo, tudo por enquanto é só alegria. Quero ver quando o efeito da droga passar.