quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A laje dos que olham para cima


Vista da Baía, a partir do alto de um bairro do subúrbio de Salvador


O brasileiro é sonhador. Sonha com o carro 0km, com a tevê digital, com a casa própria... Esse último desejo talvez seja o que movimenta a força física e mental para sua realização, vide o déficit habitacional no Brasil de quase 70% da população.

Com a expansão do crédito imobiliário, os brasileiros que ascenderam na escala social nos últimos 10 anos têm aproveitado para conseguir seu apartamento ou casa, outrora só possível se entrassem na lista de desabrigados devido a alguma catástrofe ou expulsos de uma ocupação ilegal para receber uma habitação popular.

Aos resistentes, quando compram um terreno, ainda passam pela dificuldade de construir. Com pouco dinheiro, a casa é erguida a conta-gotas, o que pode levar anos, mas pelo menos, o sonho da casa própria se materializa, às vezes, com o sonhador morando sem o imóvel estar com condições de moradia.

Sem teto, a laje é o limite que os sem-teto sonham . "Bater a laje" é uma realização inigualável na vida dos sonhadores. Já virou um rito de passagem pela qual não somente o dono, mas toda a vizinhança tem que experimentar, até porque os vizinhos, se não vivenciaram essa ação comunitária no seu imóvel, um dia será a sua vez de congregar todos na construção de sua subida.

Na laje, se faz de um tudo. Lavar e estender roupa, tomar banho de sol, empinar pipa, promover festa à base de churrasco e pagode... No Profissão Repórter desta semana, o tema foi este, a laje como espaço de sociabilidade nas periferias de São Paulo e Rio de Janeiro.

Como no Rio de Janeiro as favelas tem localização privilegiada nos morros circundantes à Baía de Guanabara, os donos têm uma sensação de que não precisa pagar caro por uma visão do mar. Subir à laje, é como subir à cobertura de um apartamento nas avenidas Vieira Souto ou Atlântica.

Em Salvador, não é diferente. A faixa de terra que vai do Porto da Barra até o subúrbio ferroviário nos dá momentos de contemplação da Baía de Todos os Santos, seja na cobertura da Morada dos Cardeais, na Vitória, o metro quadrado mais caro do Nordeste, até na laje de uma casa no Alto do Cabrito, um dos metros quadrados mais populosos e pobres da cidade.

E por falar em Cabrito, foi lá, na década de 70, antes de virar conjunto habitacional, onde eu passava temporadas no sítio de minha avó. Casa de telha vã, não precisávamos escalar para ver o pôr-do-sol no fundo da baía. Dali mesmo, da varanda, víamos o sol dar lugar a lua, ouvindo as cigarras e os grilos.

Quando queríamos ver o mar de uma altura maior, inclusive os prédios da Cidade Alta, sentávamos no balanço preso a uma mangueira e pedíamos que nossos tios, sem pena, nos empurrássemos com tanta força que a sensação era de que estávamos voando para lá e mergulhando nas águas da baía.

Hoje, no Cabrito, tudo virou laje, mas a visão continua exuberante.


domingo, 25 de setembro de 2011

Faça Letras!

Sou leitor assíduo da Revista Piauí desde seus primeiros números. Encontrei a melhor forma de ler matérias longas, com profundidade de análise e diversidade temática, não encontradas na maioria das revistas nacionais.

Uma das seções de que mais gosto é Esquina, que descreve em pequenos perfis a vida de personagens anônimos, na maioria das vezes flagrados por seus ofícios e afazeres pouco usuais ou desconhecidos do grande público.

Na edição de setembro, li o perfil de um metalúrgico que quer estudar Letras para ter mais intimidade com os poetas Drummond e Cecília Meireles.

Transcrevo abaixo o texto para nos estimularmos a ter mais valor pelas Letras, que está carecendo realmente de interessados em ensino e pesquisa de Literatura e Língua.

Faça Letras! Tem que saber e gostar de ler, no mínimo. Aos aventureiros, é melhor praticar rapel, montanhismo, jump, são atividades menos arriscadas.



O torneiro e o poeta

Inspirado por Drummond, metalúrgico quer viver dos seus versos
por Fábio Fujita
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á três anos, quem ousasse falar de poesia a Rodrigo Inácio seria recebido com um olhar atravessado de reprovação. Era melhor que ficasse longe, guardando um perímetro seguro do interlocutor. O jovem metalúrgico tinha uma opinião fechada sobre quem gostava de versos e rimas. “Eu achava que poesia era coisa de viado”, lembrou, sem tergiversar. Tudo mudou quando precisou correr atrás de palavras definitivas para se dirigir a uma moça. Ciente das próprias limitações lexicais, viu-se obrigado a consultar o grande repositório da sabedoria universal e foi ao Google. No campo de busca, Inácio digitou “Frases bonitas”. No primeiro clique, deparou-se com o poema “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade. Os versos que leu na tela não contribuíram para melhorar seu juízo sobre os poetas. “O cara deve ser idiota para escrever um negócio desses”, concluiu, no que foi a sua primeira crítica literária.
Inácio não se deu por derrotado. Por ironia, acabou gostando mesmo foi de um verso atribuído erroneamente a Drummond na internet – aquele que diz que “A dor é inevitável, o sofrimento é opcional”. Aquilo, sim, soava bem. Esmerou-se na escolha da fonte e despachou o verso à sua bela, que respondeu dizendo ter achado “interessante”. A reação foi suficientemente animadora para incentivar Inácio a gastar mais Drummond para cima da moça – agora do legítimo, não do falsificado. Num sebo, comprou O Amor Natural para dar-lhe de presente. Não sabia, claro, que aquele era o livro de poemas eróticos do autor, no qual línguas lambem pétalas vermelhas e o poeta suga e é sugado pelo amor. O rapaz se envergonhou de lembrar do caso. “Você é um besta de me mandar um livro daqueles”, foi a resposta que a menina lhe deu.
Para não repetir gafes dessa magnitude, Inácio passou a estudar com afinco a obra de Drummond. Ficou abismado quando leu “Memória” (“As coisas tangíveis/ Tornam-se insensíveis/ À palma da mão/ Mas as coisas findas/ Muito mais que lindas,/ Essas ficarão”). Era muita frase bonita para um poema só. Inácio ficou de bem com o autor mineiro. Mas continuou encucado com “No meio do caminho”. “Só depois de passar um longo tempo amistoso com Drummond é que fui entender e gostar desse poema”, explicou, em um notável exercício de revisão no qual muitos críticos deveriam se espelhar.
De Drummond para outros autores foi um pulo. Inácio continuou exigente. “Vinícius de Moraes era muito mulherengo”, não demorou a constatar. Experimentou também um pouco de prosa. Encantou-se com Clarice Lispector. Gostou de A Hora da Estrela e A Paixão Segundo G. H. “Acho que, no fundo das palavras dela, há um certo tom de feitiçaria”, ponderou. “Ela era bem doida. Tadinha, morreu de câncer.”
Aos 21 anos, Inácio mora em Diadema, na periferia de São Paulo. Para ir e voltar do serviço, no bairro do Ipiranga, na capital, pega seis conduções diárias, entre ônibus, trólebus e trem. Estudou só até o 3º ano do ensino médio. Como preparador de torno no ramo industrial, ganha dois salários mínimos. Mesmo assim, pagou 200 reais num raro disco de vinil intitulado Antologia Poética, em que Drummond declama seus versos.
Sem receio de melindrar seu ídolo, Inácio disse que queria comprar também o disco de poemas de Cecília Meirelles. “Mas o dela está a 450”, lamentou, após pesquisar na internet. A triste verdade é que os áureos dias de Drummond já se foram. “Hoje gosto mais da Cecília”, admitiu o torneiro. “Não estou desmerecendo Drummond, mas a Cecília, além de ser linda, muito linda, escreve muito bem”, derreteu-se.
ara o jovem metalúrgico, o único problema com sua paixão pela poesiaé não ter com quem conversar. No serviço, há quem ache que Rodrigo Inácio é viado. “Mas eu não ligo”, assegura. A única pessoa com quem fala sobre poemas é uma garota que conheceu num ponto de ônibus. Ele puxou assunto quando viu que conhecia o livro que ela lia – Pollyanna. “É sobre uma menina bobinha que acha que tudo no mundo é belo”, explicou.
Com familiaridade crescente com as letras, era natural que Inácio acabasse tendo vontade de desenvolver sua própria produção poética. Começou a fazer poemas, alguns sobre amores malfadados, outros inspirados pelas coisicas do cotidiano. “Já escrevi um poema porque vi um pássaro voando.” Diz já ter pelo menos uns trinta. Tudo na gaveta. “A crítica é inevitável, mas tenho medo de as pessoas acharem os poemas tristes”, alegou para justificar o ineditismo. Mas o pior mesmo, disse o torneiro, é quando alguém lê e não entende os versos. Poesia não é remédio para precisar de bula.
O poeta Rodrigo Inácio hesitou, mas criou coragem e mostrou alguns de seus escritos tirados de uma pasta. Um poema chamado “Canção esmorecida” trata da insignificância da existência e da passagem inexorável do tempo. “Apenas uma árvore triste que sou/ Tão fria e tão silenciosa/ Que não sente o tempo passar/ Que não sabe se ama ou gosta”, dizem os primeiros versos. A estrutura se repete nas estrofes seguintes. A última delas é melancólica: “Apenas uma simples hera que sou/ Que olha o mundo inteiro passar/ Que observa cada rosto/ Mas que não sabe até quando irá durar.”
O uso de “hera” e outros termos do registro mais erudito é herança daquele que um dia desdenhara. “É Drummond.” Inácio gostaria de trocar o torno pela pena. Chegou a pedir a uma amiga, que é professora, aulas particulares de metrificação. Como pagamento, está disposto a oferecer o próprio disco do Drummond, o seu maior tesouro.
Daqui a um ou dois anos, pretende largar a metalurgia e começar a trabalhar com tecnologia da informação, uma carreira que paga bem e lhe permitirá conciliar a sonhada faculdade de letras. Para isso, será inevitável estudar ciências exatas para o vestibular. Inácio não vê essa perspectiva com serenidade. “O cara que descobriu a matemática, mano, tem que morrer de madeirada”, queixou-se. Vai ser uma pedra no seu caminho.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Universidades Federais X Universidades Estaduais na Bahia

Sou egresso do Instituto de Letras da UFBA, formado há 12 anos. Nesta Universidade eu aprendi a ser um profissional interessado e competente na área a que me dedico hoje como professor da UNEB, da qual sinto orgulho de fazer parte, tanto quanto docente quanto como coordenador de curso.

Na UFBA, depois de retornar do mestrado na UFPB, fiz seleção para ser professor substituto de literatura portuguesa. Dividi o mesmo espaço com ex-colegas, então professores efetivos, e ex-professores, que se tornaram colegas de trabalho.

Vivi os dois lados dessa experiência acadêmica. Eu já estava aprovado na UNEB, mas esperava ser convocado antes de terminar o contrato da UFBA. Terminou por eu ter ficado em ambas por uns seis meses. Era a própria realização profissional para quem sempre sonhou ser professor universitário aprovado em concurso ou em seleção pública.

Há cinco anos na UNEB, conheci com mais profundidade os problemas desta Instituição, principalmente na falta de estímulo à carreira docente, com a limitação de progressão ou promoção pelo Governo, além, é óbvio, da falta de estrutura física ou carência de professores.

Assim mesmo, peguei gosto pela UNEB, pois foi através dela que publiquei meu livro, cresci profissionalmente como professor e pesquisador, e conheci pessoas maravilhosas, entre alunos e colegas.

Passei por duas greves durante o Governo Wagner, nas quais apoiei a nossa demanda por aumento de salário e condições de trabalho decente, frente à demanda de educar jovens estudantes e futuros professores de Letras.

Fico me perguntando por que o Governo do Estado gasta mais publicidade divulgando as novas Universidades Federais do que UEFS, UNEB, UESC e UESB. Penso que a intenção é sucateá-las, torná-las invisíveis, porque o senso comum, inclusive no Governo, diz que Federal é melhor do que Estadual.

Ledo engano, inclusive é sabido que tem universidades estaduais melhores do que as federais, como é o caso da USP e UNICAMP. Até no Nordeste, a UEPB (Paraíba) paga salários melhores do que a federal local.

Aqui na Bahia, os estudantes da UFRB paralisam as atividades em todos os centros da Instituição para denunciar falta de tudo.

Na campanha à releição ao governo estadual, o Sr. Jaques Wagner respondeu, no debate da Tv Aratu, ao questionamento de uma professora da UEFS sobre a situação das estaduais com uma fala em prol das federais que estavam já instaladas, como a UFRB e UNIVASF.

Penso que podemos conviver na mesma região com duas universidades. É benefício para todos e dinamiza-se o mercado de trabalho. Mas a que preço? Investimento em umas e corte de verba em outras?