domingo, 5 de outubro de 2008

O chute, o latido, o tiro e o voto


Chutar cachorro morto é covardia, chutar morador de rua para expulsá-lo de sua porta é humilhação.

O soldado da PM, Welington Sena Mariano, que fazia a ronda da área externa da Câmara Municipal de Salvador, não pestanejou em ser covarde e abusar de seu poder de polícia: escorraçou a pontapés um flanelinha que dormia na entrada da Casa Legislativa da cidade e alvejou o cachorro dele, apelidado de Branco, que reagiu para proteger seu dono da violência policial.

A justificativa do militar foi a de que ele foi atacado pelos cães que acompanhavam Índio, como o guardador de carros Cristiano Lisboa dos Santos é conhecido no local. A atitude do soldado é condenável pelos mesmos motivos justificados.

Como agente de segurança pública, treinado para prestar serviço à população, mesmo aquela que como Índio seja um excluído (embora trabalhe na informalidade para sobreviver), o soldado não seria atacado pelos cães se ele não agredisse o flanelinha. Se este não reagiu aos chutes do soldado por saber que a autoridade poderia prendê-lo por desacato, aqueles, por instinto, fizeram em seu lugar por agirem em defesa de quem os tem como companhia. Apenas isto, companhia. E amor.

O que Índio tem a oferecer a esses animais? Comida? Malmente os trocados dos motoristas dão para uma quentinha. Abrigo? Malmente um pedaço de papelão ou colchão esfarrapado ao relento. O presidente da Câmara, Sr. Valdenor Cardoso (Partido Trabalhista Cristão), candidato a reeleição, afastou o soldado de suas funções e só. Não deu assistência social ao cão e a seu dono. Que espírito cristão é esse?

O vira-lata que teve o pulmão transfixado pela bala foi levado a uma clínica particular e operado às expensas de uma comerciante local. Na cidade, não existe um órgão da Prefeitura que acolha o animal ferido para tratamento. Na cidade, não existe um órgão da Prefeitura que acolha o morador de rua faminto.

Só existem covardes que expulsam com chutes e limpam com tiros animais e pessoas que atravacam o caminho de uma cidade maníaca por beleza e aparência.

É essa Salvador que queremos? Quem salva esta cidade? A terceira população do País e a campeã do desemprego, da desigualdade.

Quando hoje me dirigia ao local de votação, em um bairro periférico, longe do centro onde moro (Nazaré), emocionei-me calado ao constatar que poderia com meu voto, mesmo utopicamente, a mudar a pobreza e a miséria desta cidade, visíveis em cada canto por onde se passe.

Embora banhos de luz e asfalto tenham sido feitos ao longo do trajeto até o Cabula (via Baixinha de Santo Antônio) e a Ribeira (via Rua Direta e Jardim Cruzeiro) para levar minha mãe, o que falta nesta cidade é Verdade, Honra e Vergonha, como já dizia Gregório de Matos há quatro séculos.

Ao votar nos candidatos a prefeito e a vereador, pensei no morador de rua, no cachorro e até no soldado. Seu ato, coitado, é o resultado também da ameaça de levar um tiro, mas diferentemente do vira-lata, de morrer mesmo.