domingo, 22 de julho de 2007

PAN, TAM e ACM


O tema do programa Observatório na TV (TVE-Bahia), apresentado por Alberto Dines em 10 de julho último, foi "Jogos Pan-Americanos: relaxar e torcer". Discutiram-se como o evento seria coberto pela imprensa e as justificativas e estratégias das empresas de comunicação em tornar o evento interessante para o público brasileiro durante os 18 dias de realização.

Segundo previsão de Dines, com o começo dos Jogos, a imprensa não saberia tratar em seus noticiários de outra coisa senão de medalhas, recordes e vitórias. O Brasil estaria mergulhado no espetáculo midiático do Pan-Americano, orgulhoso de seus atletas e dos comentários elogiosos dos estrangeiros à grandiosidade e à excelência das instalações recém-construídas para as competições, enquanto a crise no Senado e seus desdobramentos ficariam em segundo plano.

Afinal de contas, vive-se num país de (das) maravilhas e ouvir o Hino Nacional a cada cerimônia de entrega de medalhas é um mantra para se entrar no nirvana patriótico.

A política deu seu jeitinho e também entrou em campo para jogar no Pan. Ironia do destino, aconteceu justamente no Maracanã. Nelson Rodrigues já disse que no Maracanã se vaia até minuto de silêncio. Então... Vaias para Lula, que entrou mudo e saiu caladíssimo. Embora o destaque do dia fosse a abertura, as vaias ocuparam o noticiário, enquanto, por exemplo, as perfomances brilhantes de Chico César com o Quinteto da Paraíba e do Cordel do Fogo Encantado foram esquecidas.

Na semana seguinte, depois de três dias de começado os jogos e de um fim de semana recheado de vitórias do Brasil no Pan e na Copa América, a imprensa volta-se para um episódio que mostrou o quanto ela é capaz de ser eqüitativa e diversificada na cobertura de grandes acontecimentos.

O acidente com o avião da TAM trouxe a política mais uma vez para o campo do Pan e lhe tira a exclusividade midiática. Aliás, antes dos Jogos, o caos aéreo já competia, em termos de preocupação das autoridades, com o caos na segurança pública do Rio. A greve dos controladores de vôo foi abortada, mas a crise continuou pairando no ar. E deu no que deu. Cerca de 192 pessoas mortas.

Em todos os principais meios massivos de informação (jornal, televisão, internet e rádio), a imprensa (independentemente da linha editorial que as empresas tenham adotado para tratar das causas e dos responsáveis pelo acidente) não tratou o público como um autômato, que pensa movido a programação eletrônica ou a estímulos alheios à sua vontade...

E para completar esta semana de notícias de "1ª página", eis que falece ACM. Mais um editorial importante a dividir com o Pan, a atenção do público. Neste caso, um público mais baiano, talvez nordestino, do que do restante do Brasil, especialmente o de São Paulo e Rio de Janeiro, que não tinha muito simpatia pelo senador.

Pela sua participação sempre efetiva e aberta nos regimes ditatorial e democrático dos últimos quarenta anos de história política brasileira, a morte de Antônio Carlos Magalhães atraiu em todos os grandes noticiosos análises, comentários e matérias especiais.

Resumo da ópera brasiliana: a mídia, nesta semana, respeitou a diversidade de interesse por informações, mesmo que tenha sido para nosso bem ou para nosso mal, para nossa alegria ou para nossa tristeza, para nossa satisfação ou para nossa indignação.

E nessa torrente toda de acontecimentos, Renan Calheiros tenta tirar, sem que ninguém dê conta disso, os seus bezerros e vacas do brejo.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Castro Alves


"Eu tenho em mim o borbulhar do gênio". Esta frase dita por um desconhecido, ou mesmo por uma celebridade da vez, poderia soar como presunçosa, arrogante, medíocre até... Mas deixa de ser, quando se sabe que quem a falava com voz sonora e altiva nas tribunas de salões e nos balcões de teatros era Antônio Frederico de Castro Alves.

É certo que a vaidade, tanto intelectual (não aceitava facilmente contestações a seus poemas), quanto estética (cuidadoso na vestimenta e no penteado), era uma de suas características, mas era uma vaidade sem enaltecimentos vãos. Fazia parte de sua performance de poeta romântico.

Tinha certeza de que sua vocação não era para o Direito, mas para a Poesia, e nesta seara, ao lidar com letras menos duras, mas nem por isso destituídas de verdade, afirmaria sua genialidade como pensador de seu tempo.

Reencontrei-me com Castro Alves nesta semana. E penso que sempre temos sua poesia presente, porque seus versos ecoam ainda em nosso imaginário como "espumas flutuantes" que nunca se dissipam dos mares.

Esta revisitação aconteceu pelas mãos de Alberto da Costa e Silva, autor de "Castro Alves: um poeta sempre jovem" (Companhia das Letras, 2007, 198 páginas), que faz um perfil do criador de "O navio negreiro" com variedade de informações sobre a sociedade escravocrata do período e como Castro Alves transitou num ambiente hostil aos negros, do qual nem ele mesmo pôde de todo se desvencilhar, já que, a sua convivência com africanos ou afro-brasileiros escravizados na intimidade do lar, era antagônica politicamente à sua campanha e verve abolicionistas.

Em 24 capítulos (não por acaso a idade com a qual o poeta morreu), Costa e Silva nos mostra as intimidades e a personalidade deste baiano de Curralinho (atual Castro Alves), sem cair no pieguismo com que muitos críticos literários e biógrafos já fizeram.

O autor, especialista em escravidão no Brasil, dá ao texto um tom quase ensaístico, sem esquecer de uma linguagem mais narrativa para descrever as aventuras e desventuras de Cecéu em Salvador, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, especialmente entre os nove anos e cinco meses (1862-1871) em que construiu uma vida literária de reconhecimento popular, num período de público-leitor reduzido, mas ouvinte atento às declamações de poetas em eventos abertos como os que Castro Alves participou.

Algumas curiosidades são reveladas, como a da madrasta de Castro Alves, viúva de um traficante de escravos da Bahia, o português Lopes Guimarães, que ao morrer deixou para ela e os três filhos uma herança que garantiria o mesmo status social e financeiro, inclusive a continuidade por algum tempo dos negócios negreiros do falecido. O palacete da rua Sodré, onde Castro Alves morreu, fazia parte do inventário. Lá, o pai do poeta foi morar com os filhos. A Viúva Lopes, quando o patriarca Alves morreu, teve de assumir as despesas de Castro Alves no curso de Direito em Recife. Ironicamente, o dinheiro que ela ganhara com o tráfico, bancou o poeta abolicionista em suas tertúlias. E o tiro no pé, hein? Acidente ou tentativa de suicídio? Ele havia terminado o namoro, quase casamento, com a atriz lisboeta Eugênia Câmara, para quem escreveu a peça "Gonzaga" e vários poemas líricos, inspirados ora em alegrias, ora em tristezas pelas quais passava o casal. Falou-se muito que Castro Alves amava mais Eugênia, do que o contrário. E que parte das brigas devia-se mais aos ciúmes de Castro Alves, que não gostava de ver Eugênia assediada (e correspondendo ao cortejo) por homens mais maduros e experientes que ele.

Outra versão era que, mesmo apaixonado por ela, sua vaidade era maior, pois não admitia que a mulher tivesse mais aplausos que ele ou que ela não lhe desse sempre louros. Culta, livre e independente (dez anos mais velha), Eugênia batia de frente contra esse egoísmo de Castro Alves. O rompimento era certo. E até a morte, nunca esquecera um só minuto dela.

Com o tiro, ocorrido numa caçada no Brás, redondezas do centro de São Paulo, Castro Alves, que já amargava a dor do coração dilacerado com a separação, teve de suportar a dor física causada tanto pelo ferimento no pé, quanto dos pulmões enfranquecidos pela tuberculose que o acompanhava desde adolescente.

Pé amputado, tuberculose incurável, Castro Alves retornou para Salvador, mas não perdeu o espírito poético e produziu até o fim. É claro que perdeu a vivacidade dos tempos de convivência política e literária em Recife e em São Paulo, mas sua força de vontade resultou na edição de "Espumas flutuantes", quase um ano antes de morrer.

O poeta, que já tinha revelado "O navio negreiro" em 7 de setembro de 1868, preferiu por fechar o ciclo de sua borbulhante genialidade com um livro, cujos poemas, embora carregados de sentimentos mais românticos e amorosos, não descuidavam de tratar de uma questão cara à sua trajetória como homem de poesia contra o Brasil escravista de então: a liberdade.

Adelaide, sua irmã, narra os últimos momentos de Cecéu: "Na véspera de morrer (...), à noite, perguntando as horas e se lhe respondendo: 'É meia noite', suspirou dizendo: 'Será possível, meu Deus, ainda um dia de dor?' (...) Numa das ocasiões (...), angustiada, lhe passava o lenço pela fornte umedecida, ele com voz extinta quase, mas repassada de meiguice, murmurou-lhe: 'Guarda este lenço... com ele enxugaste o suor de minha agonia. (...) Foi sem grandes ânsias nem estertores. Imóvel já, o olhar fito nessa nesga de céu que se descortinava da janela aberta em frente ao leito em que jazia - pouco a pouco a luz desse olhar foi amortecendo, até de todo difundir-se nas sombras da Eternidade... Eram três e meia horas (...) da tarde".

Foi enterrado no dia seguinte, 7 de julho de 1871, no Campo Santo. Três anos depois, seus restos mortais foram recolhidos ao mausoléu do ex-marido de sua madrasta, o traficante de escravos. Mais uma ironia do destino, desta vez menos indireta. Só quase cem anos depois, em 6 de julho de 1971, foram trasladados para o monumento da praça, batizada com seu nome, onde sua imagem com o braço estendido e em perfomance declamatória parece estar sempre bradando, para os quatro cantos da Cidade da Bahia, versos como "a praça é do povo/ como o céu é do condor".
Foto: Marielson Carvalho